ARQUITETURA E ARTE
Digamos que vivemos em uma sociedade apaixonada
pela beleza. São pessoas que consomem sua paixão e que gostariam, na sua
expressão máxima, viver o mais perto possível da beleza atingida pela arte. A
arquitetura foi isso em seu remoto passado. Desenvolveu-se a partir da história
da beleza, e não raras foram as vezes em que ajudou a dar o próximo passo.
Assim sendo, arquitetura e arte foram como gêmeos siameses por boa parte de sua
história. A grande dificuldade de separá-las nas últimas décadas se deu pela genuinidade
que tratou de determinar o que é arte e o que é design. Essa diferenciação veio
em tempos recentes e, talvez por motivos mais econômicos do que sentimentais, a
arquitetura decidiu seguir a nova vertente que nascia da arte. Obviamente que
qualquer texto sobre arte e designer pode trazer mais questões que respostas,
além de respostas inflamadas sobre como a arte morreu e o designer salva o
nosso dia a dia estético, mas enfim… Precisamos tentar.
Quando abrimos velhos e bons livros de história
da arte (e os lemos) nos deparamos com uma história muitas vezes confusa e
organizada de forma linear, o que sabemos que é o que geralmente não acontece,
mas ficamos satisfeitos com a grande maioria dos resultados de tal leitura. E
entre muitas das conclusões que podermos retirar de tais leituras, uma fica bem
clara: arquitetura e arte acompanharam-se por grande parte de sua história,
assim como uma sempre influenciou fortemente a outra. Não teríamos indícios tão
fortes para diferenciar arte gótica da barroca, por exemplo, se não pudéssemos
olhar tanto para os quadros da época como para as catedrais nas quais eles
estavam inseridos. E ao longo de boa parte da história investigativa artística
nos depararemos com conclusões parecidas. Mas podemos atentá-las ainda hoje?
Acredito que não.
Se nos dirigirmos ao passado, aos seus séculos
15, 16, 17, 18 e 19, não podemos conceder a arte como a concedemos hoje. De
fato, a produção artística da época dedicava-se a um fim específico de
satisfação pessoal ou constitucional. Os artistas criavam obras tendo contratos
com igrejas, ou senhores feudais, ou reis ou simplesmente pessoas realmente
ricas. Arte tinha um propósito, e apenas o que cumpria seu propósito era
considerado arte. Se substituirmos a palavra “arte” da última oração por
“design”, poderemos nos transportar facilmente ao século 21, mas deixemos este
argumento para um pouco adiante. A verdade é que arte não se diferenciava do
modo pelo qual a arquitetura também era pensada, e exatamente por isso é que as
duas evidentemente não se separavam.
Os tempos passaram a tramar contra sua fidelidade
assim que a modernidade chegou. A sociedade, mudada, inseria-nos meias
artísticas pessoas declaradamente perturbadas, além daquelas que viam nas
ciências humanas o futuro da vida social, e a teoria abarcou-se nos lindos
campos pintados equilibradamente pelos grandes mestres, poluindo seus pontos de
fuga e fazendo seus Baços e Madonas darem pulos raivosos. A arte passou a ser
“coisa mental” e sua utilidade foi bruscamente questionada. Por outro lado, o
design têxtil e gráfico, que acompanhava o cotidiano de uma faixa cada dia
maior de pessoas, devido à revolução industrial e o considerável aumento de
pessoas que poderiam pagar pela “arte” produzida em grande escala, começou a
angariar cada dia mais fãs. E assim criaram-se panos de prato de natal, jogos
de porcelana vagabunda pintadas por máquinas e todos os produtos presentes em
lojas chinesas. O que surgiu foi uma bifurcação na conturbada estrada da
história: a arte represou-se no senso crítico de uma minoria, limitando-se à
apreciação de uma escala reduzida de pessoas, enquanto o design abria os braços
e recebia tudo o que era novo e agradável esteticamente para uma massa
consumidora que crescia (e cresce) a cada dia que se passava na terra. Bi
polarizado o mundo da beleza (e eu tenho quase certeza de que a arte deve ser
considerada a Alemanha comunista), a arquitetura se vê obrigada a escolher um
lado. Seria estúpido, ou inocente demais, acreditar que ela escolheria o braço
que lhe renderia menos público e, por isso, menos dinheiro. Talvez também por
que seja, afinal de contas, uma avassala de segundo grau da matemática, não pôde
dar-se ao luxo de afundar seus pilares no pântano ao qual a arte com tanta
facilidade o fizera. Assim sendo, decidiu trilhar um ramo da árvore esquecido
pela arte: a utilidade. O então abandonado conceito de utilidade toma para si
tudo o que a arte delicadamente renegara, toma boa parte do seu mercado de
senhores ricos e incorpora a produção em massa, a modernidade padronizara que
utiliza a capacidade técnica como desculpa para abarrotar nossa vida de
supostas belezas úteis (tanto quanto fúteis). Ajudando a construir a sociedade
de consumo na qual estamos habilmente repousados e relaxados.
Fonte: http://www.arquitetonico.ufsc.br/arquitetura-e-arte-%E2%80%93-da-historia-a-problematica-contemporanea
Gabriel de O. Costa