POSTAGEM DE MARIA FERNANDA RAMALHO
O Tropicalismo foi
um movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura
brasileira entre 1967 e 1968. Seus participantes formaram um grande coletivo,
cujos destaques foram os cantores-compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, além
das participações da cantora Gal Costa e do cantor-compositor Tom Zé, da banda
Mutantes, e do maestro Rogério Duprat. A cantora Nara Leão e os letristas José
Carlos Capinan e Torquato Neto completaram o grupo, que teve também o artista
gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte como um de seus principais mentores
intelectuais.
Os tropicalistas
deram um histórico passo à frente no meio musical brasileiro. A música
brasileira pós-Bossa Nova e a definição da “qualidade musical” no País estavam
cada vez mais dominadas pelas posições tradicionais ou nacionalistas de
movimentos ligados à esquerda. Contra essas tendências, o grupo baiano e seus
colaboradores procuram universalizar a linguagem da MPB, incorporando elementos
da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodelia e a guitarra elétrica.
Ao mesmo tempo,
sintonizaram a eletricidade com as informações da vanguarda erudita por meio
dos inovadores arranjos de maestros como Rogério Duprat, Júlio Medaglia e
Damiano Cozzela. Ao unir o popular, o pop e o experimentalismo estético, as
idéias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música,
mas da própria cultura nacional.
Seguindo a
melhor das tradições dos grandes compositores da Bossa Nova e incorporando
novas informações e referências de seu tempo, o Tropicalismo renovou
radicalmente a letra de música. Letristas e poetas, Torquato Neto e Capinan
compuseram com Gilberto Gil e Caetano Veloso trabalhos cuja complexidade e
qualidade foram marcantes para diferentes gerações. Os diálogos com obras
literárias como as de Oswald de Andrade ou dos poetas concretistas elevaram
algumas composições tropicalistas ao status de poesia. Suas canções compunham
um quadro crítico e complexo do País – uma conjunção do Brasil arcaico e suas
tradições, do Brasil moderno e sua cultura de massa e até de um Brasil
futurista, com astronautas e discos voadores. Elas sofisticaram o repertório de
nossa música popular, instaurando em discos comerciais procedimentos e questões
até então associados apenas ao campo das vanguardas conceituais.
Sincrético e
inovador, aberto e incorporador, o Tropicalismo misturou rock mais bossa nova,
mais samba, mais rumba, mais bolero, mais baião. Sua atuação quebrou as rígidas
barreiras que permaneciam no País. Pop x folclore. Alta cultura x cultura de
massas. Tradição x vanguarda. Essa ruptura estratégica aprofundou o contato com
formas populares ao mesmo tempo em que assumiu atitudes experimentais para a
época.
Discos antológicos
foram produzidos, como a obra coletiva Tropicália ou Panis et Circensis e os primeiros discos de Caetano
Veloso e Gilberto Gil. Enquanto Caetano entra em estúdio ao lado dos maestros
Júlio Medaglia e Damiano Cozzela, Gil grava seu disco com os arranjos de
Rogério Duprat e
da banda os Mutantes. Nesses discos, se registrariam vários clássicos, como as
canções-manifesto “Tropicália” (Caetano) e “Geléia Geral” (Gil e Torquato). A
televisão foi outro meio fundamental de atuação do grupo – principalmente os
festivais de música popular da época. A eclosão do movimento deu-se com as
ruidosas apresentações, em arranjos eletrificados, da marcha “Alegria,
alegria”, de Caetano, e da cantiga de capoeira “Domingo no parque”, de Gilberto
Gil, no III Festival de MPB da TV Record, em 1967.
Irreverente, a
Tropicália transformou os critérios de gosto vigentes, não só quanto à música e
à política, mas também à moral e ao comportamento, ao corpo, ao sexo e ao
vestuário. A contracultura hippie foi assimilada, com a adoção da moda dos
cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas.
O movimento,
libertário por excelência, durou pouco mais de um ano e acabou reprimido pelo
governo militar. Seu fim começou com a prisão de Gil e Caetano, em dezembro de 1968. A cultura do País,
porém, já estava marcada para sempre pela descoberta da modernidade e dos
trópicos.